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História geral do uso de substâncias na humanidade

Apesar de muitos ignorarem isso, o uso e abuso de substâncias é um fenômeno histórico, que atravessa eras, civilizações e regiões. Estudos arqueológicos apontam para o uso de álcool desde 6.000 a.C., assim como o cânhamo (encontrado em materiais da China datados de 4.000 a.C.) ou o Ópio (usado milenarmente em culturas asiáticas e no norte da África).
Também não é novidade que diversas civilizações fazem usos distintos para drogas, como o Caxiri (bebida à base de mandioca ou outras raízes, consumidas por povos indígenas no alto do Rio Negro), o vinho (cujo consumo no ocidente eurocêntrico foi consagrado após o crescimento do Catolicismo) ou a cachaça (em cultos afro-brasileiros de Umbanda). Essas drogas citadas são utilizadas não de forma plana, mas sim em complexidades variáveis, relacionadas à diferentes funções culturais e religiosas.
No entanto, é a partir de uma concepção europeia moderna, construída no século XIX, que surgem as drogas como problema a ser combatido de maneira sistemática. Antes disso, pouco se falava sobre algo parecido com o problema das drogas. A heroína e a cocaína, hoje demonizadas, não eram ilícitas e eram consumidas por parte significativa das camadas ricas da população do Brasil. Ambas já foram utilizadas como terapêutica.
Mas, quais são as possíveis explicações sobre o surgimento das drogas como problema?
Seria devido à magnitude do uso de substâncias? Certamente houve, com a urbanização e industrialização, um aumento exponencial na capacidade de produção e na diversificação das substâncias. No entanto, sabe-se que no Brasil, entre 2014 e 2015, o uso de álcool, maconha, cocaína e crack foram, respectivamente, 43,1%, 2,5%, 0,9% e 1,1%. Além disso, a dependência de álcool no mesmo período era de 1,5% da população (2,3 milhões de pessoas), enquanto de todas as outras drogas somadas, exceto tabaco e álcool, era de 0,8% (1,2 milhões). Ou seja, se algumas drogas são tão mais utilizadas e representam um problema tão maior que as ilícitas, por que são lícitas?
Nota-se, por exemplo, que o racismo foi catalisador para que se forjasse um suposto problema de saúde pública sobre o uso de maconha. Não era incomum serem publicadas notícias que diziam que "os negros perdem a alma quando usam maconha". Será que é por acaso que esse tipo de argumento é utilizado em relação ao uso de crack?
Há quem argumente que é necessário proibir substâncias para reduzir seu uso, como se fosse possível um mundo livre das drogas. Qual será a real consequência para as pessoas que usam e vendem tais substâncias, se não o encarceramento em massa, principalmente do povo preto e pobre? De  novo o racismo?
Outra visão necessária, especialmente nas chamadas cracolândias brasileiras, é a necessidade de "revitalização" dos espaços urbanos. Há aí, então, um empecilho humano que impede às empresas do setor imobiliário de lucrarem. Será que querem "salvar" (como dizem) as pessoas que usam crack, ou basta excluí-los dos centros urbanos, em atitude higienista?
Ainda podemos fazer uma última consideração. Se o problema das drogas, invenção moderna, é fortemente relacionada ao racismo, à desigualdade de classes, aos interesses de setores privilegiados da sociedade etc... O problema são as drogas?
Acreditamos, como alguns, que vamos milagrosamente extinguir as drogas da humanidade e, então, todos os nossos problemas serão resolvidos?

Referências:


O POVO DA RUA: NA FILA DO SUS – EP.1

BASTOS, Francisco Inácio Pinkusfeld Monteiro et al. III levantamento nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. ICICT/FIOCRUZ. 2017.
CARNEIRO, Henrique Soares. As drogas e a história da humanidade. Psicologia Ciência e Profissão, v. 6, n. 6, p. 13-15, 2009.
DA FONSÊCA, Cícero José Barbosa. Conhecendo a redução de danos enquanto uma proposta ética. Revista Psicologia & Saberes, v. 1, n. 1, 2012.
NERY FILHO, Antonio et al. (Ed.). As drogas na contemporaneidade: perspectivas clínicas e culturais. SciELO-EDUFBA, 2012.
SANTOS, Valcleiton Bispo; MIRANDA, Marlene. Projetos/Programas de redução de danos no Brasil: uma revisão de literatura. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, v. 5, n. 1, 2016.

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