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História da Epidemia de HIV

O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) é um vírus que ataca principalmente as células linfócitos T CD4+, uma das células que compõe o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. Se uma pessoa é infectada pelo HIV e não recebe um tratamento, o vírus pode destruir os linfócitos T CD4+ a ponto de desenvolver a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), tornando o organismo suscetível à infecções oportunistas. Há pessoas que têm HIV, mas não desenvolvem a AIDS, processo que pode levar até 10 anos - caso a pessoa portadora do vírus não realize os devidos cuidados - motivo pelo qual é importante realizar o teste de HIV e ter conhecimento da infecção. Assim, o meio mais eficiente de cuidados lançado pela comunidade médica é a prevenção combinada, que envolve testes regulares, medicamentos antes e após a exposição sexual ao vírus (o que não substitui os preservativos, indispensáveis durante a relação sexual), dentre outros cuidados. A prevenção combinada será o tema de publicações futuras desta página.

Hoje em dia, uma pessoa com HIV pode viver em sociedade com uma boa qualidade de vida e sem o risco de transmitir o vírus para outras pessoas. Mesmo com progressos nesse sentido, a AIDS é cercada de estigmas e desconhecimentos. Tais estigmas - que sempre acompanharam, ao longo da história, doenças sexualmente transmissíveis - foram reforçados pela abordagem epidemiológica utilizada em um primeiro momento da epidemia de AIDS das décadas de 80 e 90, que visava identificar Grupos de Risco - como homossexuais, hemofílicos e usuários de drogas injetáveis - dentro dos quais as pessoas teriam mais probabilidade de contrair o HIV. Pouco eficiente na compreensão da epidemia, esse conceito limitava-se por ignorar o fato de que qualquer pessoa é suscetível a contrair o vírus. Hoje sabemos que a informação de qualidade é fundamental, apesar de não ser o suficiente, para nos cuidarmos em relação a essa doença e não reproduzirmos preconceitos tão nocivos aos portadores do HIV. Quando se diz “informação de qualidade”, é pela necessidade de dispensar informações com um teor de terror, as quais se mostraram ineficazes na prevenção da doença: quando se associa o vírus do HIV com a morte inevitável, além de se estar reproduzindo uma notícia falsa, o que se faz é retirar o significado da procura por testes. É o que aprendemos ao escutar, por exemplo, o depoimento do professor Jorge Beloqui, HIV-positivo, ao Grupo de Incentivo à Vida (G.I.V.): “Eu não queria fazer o teste na época porque era a década de oitenta, porque não tinha tratamento, então pra que que eu iria querer saber?”

É importante nos lembrarmos, também, que a epidemia de AIDS não atingiu o mundo ou o brasil inteiro de uma forma equivalente: o que chamamos de "epidemia" de AIDS é o resultado de diversas epidemias coexistindo, as quais se diferenciavam em razão de diversos fatores, tais como classe social, gênero e faixa etária, em função dos quais o acesso à informação, os meios de proteção e as possibilidades culturais e contextuais de se utilizar das informações recebidas e dos meios de proteção acessíveis, traziam diferentes vulnerabilidades à infecção. Uma vez que em um mundo profundamente desigual as informação e proteções eficazes são alcançadas primeiro pelas camadas mais privilegiadas das sociedades, os avanços em relação ao conhecimento da AIDS e os meios de se proteger não alcançaram, de imediato, todos que possuíam o vírus, concentrando a epidemia em classes sociais mais precárias, movimento chamado de “pauperização”. Mesmo quando políticas públicas mais eficazes foram implementadas, a aplicação dos métodos preventivos encontraram obstáculos contextuais que tornavam mulheres, em especial as trabalhadoras do sexo e as travestis, especialmente vulneráveis, o que levou à “feminização” da epidemia.

Assim, o que temos é uma extrapolação da doença para pessoas de fora dos ditos Grupos de Risco, conceito incapaz de compreender tais movimentos.

Como um meio de superar esses inconvenientes causados pela ideia de Grupo de Risco, lançou-se mão do conceito de Comportamento de Risco, ou seja, são determinados comportamentos que podem fazer uma pessoa contrair o vírus. Se, por um lado, esse conceito universaliza a preocupação em relação ao vírus (qualquer um pode contrair o vírus, caso adote determinados comportamentos), por outro lado, responsabiliza os indivíduos contaminados, ignorando o fato de que uma pessoa pode ter sido infectada por falta de acesso a meios de proteção ou por ter sofrido violência sexual, por exemplo. Assim, na década de 90 criou-se o conceito de Vulnerabilidades para compreender a epidemia: se uma pessoa contrai o vírus, não é apenas por fatores individuais, mas também contextuais e culturais.

Em 1996 surgiu a terapia combinada, que se consiste na utilização de três ou mais medicamentos antirretrovirais (ARV), cujo conjunto chamamos de coquetél antiaids, o qual diminuiu de imediato a mortalidade da doença. No Brasil, nesse mesmo ano, iniciou-se a distribuição gratuita do coquetél por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

Por fim, devemos chamar nossa atenção para o fato de uma possível nova onda de AIDS, principalmente entre os jovens. Valéria Piassa Polizzi é uma escritora que contraiu o HIV na juventude e pode nos ajudar a compreender esse fato. Em seu livro “Depois Daquela Viagem”, Valéria faz as seguintes reflexões que podem e devem guiar políticas públicas no Brasil e no mundo: “como o próprio nome já diz, Doença Sexualmente Transmissível, qualquer pessoa que transe corre o risco de pegar uma. Assustador, não? Eu diria que sim, se não fosse a maior invenção de todos os tempos: a camisinha. Graças a ela, as pessoas podem continuar tendo suas relações sexuais, diminuindo em muito o risco de contrair uma. Infelizmente, alguns anos atrás, eu não sabia de nada disso. Faltavam informação, explicação e educação sexual, sobretudo nas escolas. E eu espero sinceramente que, a esta altura, as escolas já tenham se dado conta disso e, em vez de ficar só falando de problemas matemáticos, acentuação gráfica e ciclo da chuva, falem também um pouco de sexo com os alunos. Ou será que os adultos de hoje ainda continuam achando que isso é privilégio só deles?” (POLIZZI, p. 63, 2014).

Referências:

Grupo de Incentivo à Vida. O Cartaz HIV Positivo. 

Grupo de Incentivo à Vida. O Cartaz HIV Positivo - Depoimento Jorge Beloqui. 

OPAS/OMS. Folha informativa - HIV/aids, 2017.  

BRASIL, Ministério da Saúde. Aids / HIV: o que é, causas, sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção.

AYRES, José Ricardo. O RISCO, VULNERABILIDADE E PRÁTICAS DE PREVENÇÃO E PROMOÇÃO DA SAÚDE. In.: Tratado de Saúde Coletiva, 2006. p. 375-417

AYRES, José Ricardo. Práticas educativas e prevenção de HIV/Aids: lições aprendidas e desafios atuais. In.: Interface-Comunicação, Saúde, Educação, 2002, v. 6. p. 11-24

GYRÃO, N. B. Vírus da Imunodeficiência Humana. In.: Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática. 2019.

PARKER, R.; CAMARGO JÚNIOR, K. R. Pobreza e HIV/AIDS: aspectos antropológicos e sociológicos. Cad. Saúde Pública, v.16, supl.1, p.89-102, 2000.

POLIZZI, Valéria Piasssa. Depois Daquela Viagem, Nova Ortografia, 2014.

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